Fonte: Gazeta do Povo.
17 km de mau cheiro
Publicado em 15/09/2010 | Aniela Almeida
Quem mora em regiões cortadas pelo Belém, em Curitiba, sofre com o fedor sempre que os termômetros sobem. O problema atinge também moradores de áreas abarcadas por outros rios
Em dias quentes, os moradores do Edifício José Conrado Riedel, no Centro Cívico, em Curitiba, precisam escolher se passam calor, fechando as janelas dos apartamentos, ou se aguentam o mau cheiro do Rio Belém, que passa ao lado do prédio. O odor desagradável chega até o quinto andar. Do outro lado da cidade, na Vila das Torres, Marcos Eriberto dos Santos, que também mora a alguns metros do rio, sofre com o cheio ruim. “O rio já chega aqui morto”, lamenta Marcão (como é conhecido), que preside a associação de moradores do local.
O mau cheiro é justificável: o Belém é hoje o rio mais poluído da capital paranaense, segundo as medições de qualidade de água realizadas pelo Instituto Ambiental do Paraná. E o problema é conhecido de muita gente, já que o rio corta boa parte da cidade em seus 17,3 quilômetros de extensão.
O rio que nasce no bairro Cachoeira, corta o Bosque do Papa, passa ao lado do Palácio Iguaçu, cruza a Avenida Cândido de Abreu, no Centro Cívico, onde se esconde em galerias subterrâneas e atravessa toda a área central, acabando por desaguar nas cavas do Rio Iguaçu, ainda dentro da cidade. Desde a década de 1930, ele foi canalizado para dar espaço às construções no Centro da cidade. A ausência de correnteza favoreceu (e ainda favorece) a concentração de poluentes, principalmente do esgoto lançado em toda a sua extensão.
E é exatamente aí que está a origem do problema. De acordo com a coordenadora de Recursos Hídricos de Curitiba, Cláudia Boscardin, o mau cheiro do rio que cruza bairros pobres e nobres da cidade não é consequência apenas da poluição de áreas de ocupação irregular, que não contam com saneamento básico. Segundo ela, os índices de qualidade da água – não só do Belém, mas de outros rios que passam pela cidade – não são tão bons como poderiam ser, considerando a alta cobertura da rede de esgoto, que, segundo o governo do estado, chega a 90%. Grande parte do problema está nas ligações irregulares de esgoto doméstico que estão conectadas às galerias de águas pluviais em áreas residenciais já consolidadas.
“Mesmo sem chuva, as galerias que deveriam estar secas, jorram água todos os dias”, afirma a coordenadora. Uma fiscalização da prefeitura em 50 mil residências em áreas urbanas consolidadas dentro da sub-bacia do Rio Barigui mostrou que 17% dos imóveis, ou cerca de 8 mil, estavam em situação irregular. O número é quase igual ao total de famílias que vivem às margens de rios, em situação irregular – 10 mil –, segundo o Plano de Regularização Fundiária Sustentável em Áreas de Preservação Permanente, elaborado pela prefeitura.
Bactérias
Considerando que a poluição dos rios se deve em grande parte ao esgoto doméstico, fica mais fácil entender de onde vem o mau cheiro. Conforme a diretoria da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária, Selma Cubas, sem chuva, a degradação das bactérias presentes na água acontece sem oxigênio (degradação anaeróbia), o que acaba resultando na produção de dois gases: o metano, o mesmo produzido na decomposição dos resíduos em lixões e aterros sanitários; e o sulfídrico, que tem o odor de ovo podre. “O calor acelera ainda mais a degradação por causa da alta temperatura”, comenta. De acordo ela, que também é professora do mestrado de Gestão Ambiental da Universidade Positivo, não existe medida paliativa para contornar o mau cheiro dos rios de Curitiba. “Com os rios canalizados é pior ainda, porque o oxigênio é menor”, comenta.
A coordenadora municipal de Recursos Hídricos conta que nos dias mais quentes os pedidos para canalizar rios aumentam, mas, desde 2006, a medida não é mais permitida. Ela explica que a identificação de ligações de esgoto irregulares são feitas por meio de corantes. Os técnicos jogam o produto na rede doméstica que deveria desembocar na rede de coleta de esgoto para verificar se a ligação foi feita corretamente, mas nos casos dos rios cobertos a averiguação fica bem mais complicada. Para Selma Cubas, os rios de Curitiba atualmente funcionam como reatores de tratamento do esgoto. “Mesmo que parássemos de poluir hoje, teríamos que cuidar da recuperação para termos uma resposta positiva em pouco tempo.”
***
Efeitos
Água poluída mata mais do que guerra
O mais recente relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep, na sigla em inglês) faz um alerta que merece atenção e ação de todos: o consumo e o uso de água não tratada e poluída matam mais do que todas as formas de violência, incluindo as guerras. Pelo menos 1,8 bilhão de crianças com menos de 5 anos de idade morrem a cada ano em decorrência da má qualidade da água e da falta de saneamento básico. O estudo foi divulgado no dia 22 de março deste ano – Dia Mundial da Água – em Nairóbi, capital do Quênia, na África.
O documento afirma que as crianças são as principais vítimas da “água doente”, representando uma morte no mundo a cada 20 segundos. Por isso o alerta para a necessidade de adoção de medidas urgentes. Segundo o estudo, as populações urbanas deverão dobrar de tamanho nas próximas quatro décadas. A projeção, portanto, é que os números subam dos atuais 3,4 bilhões para mais de 6 bilhões de pessoas. Nas grandes cidades já há carência de gestão adequada das águas residuais em decorrência do envelhecimento do sistema, de falhas na infraestrutura ou de esgoto insuficiente.
Ainda de acordo com o relatório, a água contaminada é também um dos fatores-chave para o aumento de mortes de vidas vegetais e animais em mares e oceanos de todo o mundo. São 2 milhões de toneladas de resíduos, que contaminam cerca de 2 bilhões de toneladas de água diariamente, causando gigantescas “zonas mortas” e sufocando recifes de corais e peixes.
***
Em dias quentes, os moradores do Edifício José Conrado Riedel, no Centro Cívico, em Curitiba, precisam escolher se passam calor, fechando as janelas dos apartamentos, ou se aguentam o mau cheiro do Rio Belém, que passa ao lado do prédio. O odor desagradável chega até o quinto andar. Do outro lado da cidade, na Vila das Torres, Marcos Eriberto dos Santos, que também mora a alguns metros do rio, sofre com o cheio ruim. “O rio já chega aqui morto”, lamenta Marcão (como é conhecido), que preside a associação de moradores do local.
O mau cheiro é justificável: o Belém é hoje o rio mais poluído da capital paranaense, segundo as medições de qualidade de água realizadas pelo Instituto Ambiental do Paraná. E o problema é conhecido de muita gente, já que o rio corta boa parte da cidade em seus 17,3 quilômetros de extensão.
O rio que nasce no bairro Cachoeira, corta o Bosque do Papa, passa ao lado do Palácio Iguaçu, cruza a Avenida Cândido de Abreu, no Centro Cívico, onde se esconde em galerias subterrâneas e atravessa toda a área central, acabando por desaguar nas cavas do Rio Iguaçu, ainda dentro da cidade. Desde a década de 1930, ele foi canalizado para dar espaço às construções no Centro da cidade. A ausência de correnteza favoreceu (e ainda favorece) a concentração de poluentes, principalmente do esgoto lançado em toda a sua extensão.
E é exatamente aí que está a origem do problema. De acordo com a coordenadora de Recursos Hídricos de Curitiba, Cláudia Boscardin, o mau cheiro do rio que cruza bairros pobres e nobres da cidade não é consequência apenas da poluição de áreas de ocupação irregular, que não contam com saneamento básico. Segundo ela, os índices de qualidade da água – não só do Belém, mas de outros rios que passam pela cidade – não são tão bons como poderiam ser, considerando a alta cobertura da rede de esgoto, que, segundo o governo do estado, chega a 90%. Grande parte do problema está nas ligações irregulares de esgoto doméstico que estão conectadas às galerias de águas pluviais em áreas residenciais já consolidadas.
“Mesmo sem chuva, as galerias que deveriam estar secas, jorram água todos os dias”, afirma a coordenadora. Uma fiscalização da prefeitura em 50 mil residências em áreas urbanas consolidadas dentro da sub-bacia do Rio Barigui mostrou que 17% dos imóveis, ou cerca de 8 mil, estavam em situação irregular. O número é quase igual ao total de famílias que vivem às margens de rios, em situação irregular – 10 mil –, segundo o Plano de Regularização Fundiária Sustentável em Áreas de Preservação Permanente, elaborado pela prefeitura.
Bactérias
Considerando que a poluição dos rios se deve em grande parte ao esgoto doméstico, fica mais fácil entender de onde vem o mau cheiro. Conforme a diretoria da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária, Selma Cubas, sem chuva, a degradação das bactérias presentes na água acontece sem oxigênio (degradação anaeróbia), o que acaba resultando na produção de dois gases: o metano, o mesmo produzido na decomposição dos resíduos em lixões e aterros sanitários; e o sulfídrico, que tem o odor de ovo podre. “O calor acelera ainda mais a degradação por causa da alta temperatura”, comenta. De acordo ela, que também é professora do mestrado de Gestão Ambiental da Universidade Positivo, não existe medida paliativa para contornar o mau cheiro dos rios de Curitiba. “Com os rios canalizados é pior ainda, porque o oxigênio é menor”, comenta.
A coordenadora municipal de Recursos Hídricos conta que nos dias mais quentes os pedidos para canalizar rios aumentam, mas, desde 2006, a medida não é mais permitida. Ela explica que a identificação de ligações de esgoto irregulares são feitas por meio de corantes. Os técnicos jogam o produto na rede doméstica que deveria desembocar na rede de coleta de esgoto para verificar se a ligação foi feita corretamente, mas nos casos dos rios cobertos a averiguação fica bem mais complicada. Para Selma Cubas, os rios de Curitiba atualmente funcionam como reatores de tratamento do esgoto. “Mesmo que parássemos de poluir hoje, teríamos que cuidar da recuperação para termos uma resposta positiva em pouco tempo.”
***
Efeitos
Água poluída mata mais do que guerra
O mais recente relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep, na sigla em inglês) faz um alerta que merece atenção e ação de todos: o consumo e o uso de água não tratada e poluída matam mais do que todas as formas de violência, incluindo as guerras. Pelo menos 1,8 bilhão de crianças com menos de 5 anos de idade morrem a cada ano em decorrência da má qualidade da água e da falta de saneamento básico. O estudo foi divulgado no dia 22 de março deste ano – Dia Mundial da Água – em Nairóbi, capital do Quênia, na África.
O documento afirma que as crianças são as principais vítimas da “água doente”, representando uma morte no mundo a cada 20 segundos. Por isso o alerta para a necessidade de adoção de medidas urgentes. Segundo o estudo, as populações urbanas deverão dobrar de tamanho nas próximas quatro décadas. A projeção, portanto, é que os números subam dos atuais 3,4 bilhões para mais de 6 bilhões de pessoas. Nas grandes cidades já há carência de gestão adequada das águas residuais em decorrência do envelhecimento do sistema, de falhas na infraestrutura ou de esgoto insuficiente.
Ainda de acordo com o relatório, a água contaminada é também um dos fatores-chave para o aumento de mortes de vidas vegetais e animais em mares e oceanos de todo o mundo. São 2 milhões de toneladas de resíduos, que contaminam cerca de 2 bilhões de toneladas de água diariamente, causando gigantescas “zonas mortas” e sufocando recifes de corais e peixes.
***
Pergunta:
Se a capital ecológica tá assim, como estão os outros lugares?
Se a capital ecológica tá assim, como estão os outros lugares?
Nenhum comentário:
Postar um comentário